domingo, 27 de fevereiro de 2011

Livro A Milésima Segunda Noite, de Fausto Wolff



Acabei de ler o livro A Milésima Segunda Noite, de Fausto Wolff, editora Bertrand Brasil.

São 742 páginas de cultura, questionamento, crítica social... (permeadas de puro humor inteligente, desse tipo de humor inteligente quase extinto neste país) de um homem que foi um dos maiores intelectuais e humanistas que esse páis já teve (logicamente que não teve espaço na grande mídia brasileira, principalmente Globo - não há humanistas no sistema) que, tal como Machado de Assis, era autodidata, não tinha graduação universitária (mas foi ensinar literatura brasileira e mundial na Dinamarca e na Itália em seu exílio político), esse era Fausto Wolff. Além de tudo um sujeito originalíssimo. Aliás, mais do que um intelectual ímpar, um gênio como escritor e pensador social. Sem exageros.

Qualquer brasileiro alfabetizado pode comprar esse livro no Submario por duas parcelas, sem juros, no cartão, de R$ 32,50. Já sei. 99,99% dos que lerem esse artigo e ainda não pegaram espírito da coisa, vão dizer que o livro é caro. São essas pessoas que dão R$ 2.000,00 em um celular que tem internet e TV. Se você é um deles, pare de ler esse artigo agora, antes que se empolgue e parta para os comentários. Piadinha.

É fascinante. Perceber inteligência nos tempos de hoje chega a ser quase intuitivo, digo, está sendo menos científico, filosófico. Veja só, ligue a televisão ou veja o senso-comum da nossa sociedade e depois abra esse livro e veja algo como esse texto da página 340/341:

"Nós que tanto lutamos pelas liberdades civis temos a impressão de que o país todo vive atrás das grades, tantos são os escândalos nos quais se envolvem os membros da elite social, política, econômica, jurídica, legislativa, executiva e econômica do Brasil. Mas eu - velho e cansado jornalista - sei que é tudo um jogo de cena, um morde-assopra, pois o máximo que pode acontecer com eles é levar um ovo na cara. Cadeia, peste e morte estão reservados para os favelados, os sem-terra, os que, desesperados, acabam por delinqüir. Em verdade, somos todos prisioneiros: os poderosos da ganância, a classe média da liberdade que conquistou mas que não consegue preservar graças a globalização, e a grande maioria é prisioneira da fome e da ignorância. A lei de segurança nacional será acionada contra os "protestos" do rei e logo se tornará realidade a piada do homem rico que comprou um cachorro feroz para guardar sua propriedade. Um amigo vai visitá-lo, mas o cão não o deixa entrar na casa. Chama o ricaço, que lhe diz:
- Entre que a porta está aberta!
- O cachorro não me deixa entrar! - responde a visita.
- E a mim não deixa sair! - grita o dono da casa."

Vai ficar na estante com o carimbo "proibido emprestar" porque será relido várias vezes.

Encerramos este post com o comentário do editor na contra-capa do livro:

"Enfim, um livro que, num cenário sério, estaria nas estantes de todas as escolas secundárias e faculdades do país".


Concordamos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Da série Notícias do Brasil (sem os comentários da Globo. Aliás, com os nossos)

Gisele Bündchen usará vestido banhado a ouro no desfile da Vila Isabel

(O Globo, 20/01/11)

E isso num país, material e moralmente, miserável.

É muita breguice.

A mesma massa que vai aplaudir isso aí, depois vai reclamar da violência, da degradação de valores, do desencanto com a vida...

É impressão minha, ou há algo de pronfudamente errado nisso aí?

A indiferença

A indiferença
(Bertold Brecht)

Primeiro levaram os comunistas,
mas eu não me importei com isso.
Eu não sou comunista.
Em seguida levaram alguns operários,
mas não me importei com isso.
Eu também não era operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
mas não me importei com isso.
Eu não sou sindicalista.
Depois agarraram os sacerdotes,
mas como não sou religioso,
também não me importei.
Agora estão me levando,
mas já é tarde.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Texto de Celso Renato Duvivier Albuquerque Mello

“E assim, a filosofia vencedora em 45 é o existencialismo... Observa-se que neste período há uma grande dúvida: o socialismo da fraternidade ou o capitalismo do egoísmo, da luta incessante pelo lucro, da não realização do homem como ser humano.
E então entramos na chamada era do vazio, a era em que vivemos, da sociedade pós-moderna, aquela em que há uma indiferença da massa, há uma fragmentação do corpo social, o desengajamento que desemboca na indiferença. Época na qual o que interessa é o físico, é a aparência, ou melhor, o que interessa é o corpo. Todos têm tempo para ”malhar”, mas ninguém tem tempo para ler...
É preciso ter ao menos consciência de que estamos em um grande vazio. Vem a globalização e o que é esta globalização? Uma integração da economia feita por empresas transnacionais, gerando um pensamento único. Quem não for favorável a ela é um dinossauro, é um homem pré-histórico, é um homem que vive fora de sua época. Mas os homens que vivem dentro da sua época fazem parte da massa. É preciso procurar aqueles que pensam diferente, é preciso ousar ser marginalizado. Marginalizados 'ficam aqueles que não possuem a aparência de um artista de cinema, ou por serem eternos socialistas. Mas a marginalização, nestes termos, é preferível à massificação.
E é nesta época, neste vazio, que surge a questão: precisamos de uma utopia. Habermas, um dos maiores filósofos alemães da atualidade, diz: "Uma sociedade sem utopia é um deserto." Mas o que é uma utopia? O escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano diz que a utopia está no horizonte e que quando nós caminhamos dez passos, ela se afasta dez passos. Então, para que a .utopia se nunca iremos alcançá-Ia? Ora, a utopia existe para que caminhemos, a utopia existe para que não paremos nunca... “
CELSO RENATO DUVIVIER ALBUQUERQUE MELLO
Rev. da Faculdade de Direito de Campos. Ano I, N2 1, JanlJun - 2000 275
http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/25374/direito

Não podíamos começar de outra forma - A vida vai melhorar de Fausto Wolff


A vida vai melhorar..

Creio, sinceramente, que se não houver uma revolução moral que coloque os interesses do homem acima dos interesses do lucro, em menos de 50 anos teremos uma população mundial idiotizada e poderemos enterrar quaisquer resquícios culturais.
Eventualmente também, um dos bilhões de servos do neolibertinismo se olhará no espelho e concluirá que faz parte de uma grande manada que, embora aparentemente tenha a maioria dos seus desejos atendidos, está triste e entediada. Pois sente vagamente que não é dona de si mesma, não pensa por si própria e perdeu a individualidade.
Não pode escolher o que comer, já que terá que se decidir entre três marcas. O mesmo vale para a bebida, os frutos, os remédios, a diversão. Basta ligar a TV para verificar que chegamos a uma programação barata (programas de entrevistas em que sempre tem um idiota querendo dizer bobagens em frente à câmera), obscena, promíscua e mentirosa, por conta da publicidade.

Quem tiver talento, inteligência, originalidade, perca as esperanças de ser aceito, pois a arte deve ser compreendida por todos. E, neste momento, escritores e artistas transformam-se em bufões do capitalismo. A arte que não for leve entretenimento, a arte que leve à indagação nem precisará ser proibida, pois o próprio povo a desprezará. Comparado com o que virá por aí, o Admirável mundo novo, de Huxley, seria um paraíso.

Depois de eliminarem o peso morto - o proletariado -, os neoliberais nos apresentarão a uma sociedade onde tudo será permitido, menos pensar.

Levou tempo para as coisas chegarem a esse ponto. Mas a primeira parte já foi concluída: acabar com a cultura brasileira, acabar com os líderes políticos, acabar com as ideologias, tornar Cristo sócio de igrejas vigaristas e transformar o neoliberalismo numa religião a ser ensinada, das escolas primárias às grandes universidades.

A segunda parte será acabar com o povo através de guerras, prisões, peste e falta de alimentos básicos. Do povo sobrarão apenas os servidores, aos quais informarão que um dia também poderão ser senhores. O programa será: menos escolas públicas e mais presídios particulares.

Os escravagistas diziam ter chegado à sociedade ideal. Jogamos água no chope deles. Os colonialistas se diziam perfeitos e estragamos a festa deles. No princípio do século 19, David Ricardo, Thomas Malthus e outros respeitáveis economistas declararam que o melhor que podiam fazer pelos pobres era tirá-los da ilusão de que têm direito à vida. "Está provado que o povo não tem outros direitos além daqueles oferecidos pelo mercado irregular de trabalho."

Não é exatamente o que pensam e executam os donos da maior parte do mundo hoje em dia? Ainda assim o povão reagiu a essas palavras cruéis e convenceu as elites de que a vida podia ser preservada com alguns contratos sociais. Vinte anos mais tarde, durante uma palestra em Oxford, William Morris, depois de declarar-se socialista, disse: "Não posso acreditar no sistema de mercado no qual o diabo leva sempre a melhor. Mas se chegarmos a esse ponto, a civilização morrerá e eu não quero acreditar nisso".
Nem eu, meu caro Morris, mas é o que está acontecendo. E no Brasil as leis só servem aos ricos, que jamais vão para a cadeia e a política é tão hipócrita a ponto de venerar em sessão solene a memória de um político que foi o maior defensor da ditadura. Além disso, os membros de um partido que sempre representou a direita mais fascista decidiram trocar de nome e de PFL virar Democratas.
É natural, portanto, que queiram convencer a população de que ela não é escrava, embora não lhe dêem nem o direito de dormir na rua. E para fechar com chave de ouro, estão preocupados com o destino de dois pugilistas devolvidos a Cuba, mas não demonstram preocupação com dezenas de milhares de crianças que vendem seus corpinhos para tarados por R$ 1.

Gostaria de apresentar uma questão a nossos poucos intelectuais, a maioria dos quais trabalha na TV, e a nossos acadêmicos, que escondem a ignorância atrás de palavras que nem eles entendem: será mesmo uma utopia acreditar numa ordem pós-capitalista na qual possamos construir uma economia baseada nos princípios de cooperação, igualdade, auto-governo e liberdade individual?
Pergunto isso porque a maioria dos comunicadores, principalmente no terceiro mundo, é responsável em boa parte pela ideologia neolibertina de incutir a ilusão de liberdade no povo. São eles que, através dos meios de comunicação, tornam o sapo do neolibertinismo (dias desses eu explico) numa coisa bonita, palpável, inteligente, generosa, necessária e até mesmo desejável.
E, para apresentar o próximo número, chamarei ao palco...

(Fausto Wolff)

Olá

Resolvemos abrir esse espaço com alguma resistência. Sabemos, como diz Ziraldo, que a internet é o antro do débil mental. Não só ela. A nossa sociedade como um todo mergulha em poço de alienação. Sem dúvida que há uma superestrutura montada pelos donos do poder com escopo de imbecilizar a massa a fim de torná-la ainda mais manobrável, torná-la, definitivamente, escrava. Desenvolveremos isso ainda. Dessarte, a resistência deveu-se ao fato de que a internet é o epicentro dessa superestrutura imbecilizante. Contudo, a resolução de abrir esse espaço vem da vontade de gritar contra tudo isso.

Sabemos que há espaços, blogs (inclusive os citaremos) bem melhores que esse na internet, embora raros no meio do caos, no que diz respeito à análise social. Mas, resolvemos somar.

Quando os textos não forem nossos citaremos as fontes, os autores. E, eles serão muitos. Na grande mída brasileira não há espaço algum, ou muito pouco, para Fausto Wolff, Zigmunt Baumman,  Bertold Brecht, Noan Chomsky... são homens do Brasil e do mundo que revelam a realidade que se esconde por trás do fato comum. Mas, não aparecem na Globo nem na Veja por um simples motivo - são socialistas. Os donos do poder só abrem espaços para aqueles bajuladores medíocres que lhes servem. Mesmo porque, como mostrar um Fausto Wolff  brilhante e socialista? Será desmentir toda a porcaria falaciosa que sustentaram sobre o socialismo para a massa brasileira durante tanto tempo (vide o documentário inglês "Muito além do Cidadão Kane" - exatamente sobre isso).

Sim. Falaremos também de Karl Marx sem nenhum pudor (quando o comentário geral é sobre jogadores de futebol, artistas e o escambau, quase nos envergonhamos de citar um filósofo). Falaremos de socialismo, comunismo, filosofia... absolutamente longe do senso-comum. Um amigo (dentre alguns que nos motivou ao blog) nos disse que teríamos poucos leitores. Nessa era da meiocridade na qual vivemos, se tivéssemos muitos leitores é porque algo estaria errado - ou com eles ou conosco.

A análise social, hoje, é campo que enriqueceu-se, não com tanto conteúdo (mantemos os clássicos) mas com todo essa efervescência pós-moderna de um homem que "corre muito atrás... de nada!", como diz Baumman.

E vamos nós.