quinta-feira, 24 de março de 2011

Onde estão os dinossauros?



Extinguiram-se?

Vivemos uma era de mau gosto, extremo mau gosto. Se o imbecil, com rostinho bonitinho fala alguma asneira na mídia, vira ídolo. Abri o Jornal "O Dia", do Rio de Janeiro, hoje na net. Deu vontade de vomitar. Dezenas de notícias, na página principal, envolvendo jogador de futebol, integrante de BBB, artista global, o escambau. E olha que Saramago já advertiu que voltaremos a grunhir se continuarmos assim...

Sempre li, em jornais e revistas, gente que parece que está sendo extinta. Fausto Wolff, Celso Albuquerque Duvivier de Mello, Darcy Ribeiro... Hoje Leandro Konder está com alzheimer, acho que não escreve mais. Sobrou Leonardo Boff, Emir Sader, Frei Betto, e mais quem, cara-pálida? No post de abertura de nosso blog eu disse que abriríamos espaço para essa gente boa. Quando o texto for de um desses pensadores nacionais eu o colocarei entre aspas e mencionarei a fonte, o autor.

De algum tempo quem mais vende em literatura neste país é Paulo Coelho. Não é para menos, um povo idiotizado desse leria o que mais? Platão, por acaso? Ah, tem Harry Porter também.

Esse troço todo é armação. Eu sempre repito isso. Com a globalização o poder econômico toma o lugar do poder político, extinguem-se os ideais e a auto-determinação dos povos, abrem-se novos mercados para mais lucrar e idiotiza-se para mais fazer consumidores autômatos. Quando se vê uma capa de jornal dessa que foi mencionada, não é porque fazem sucesso "em si" essa gente, não é porque essa gente tenha talento. É para formar alienados mesmo, uma massa que vai deixar-se explorar ao máximo, consumirá porcarias, e votará mal, muito mal.

Leonardo Boff e demais humanistas brasileiros não aparecem em Globo, em Veja. Há um silêncio dos intelectuais, hoje no Brasil, propositadamente fabricado. Há uma extinção de pensadores em parte pela era medíocre em que vivemos e em parte pelo silêncio fabricado pela mídia. Sempre que falo de Boff lembro-me do papa João Paulo II e do atual, Bento XVI, excomungando-o por conta da Teologia da Libertação. Parece piada, junta os dois papas e não dá uma parte do grande pensador humanista brasileiro. Adoro repetir isto.

Mas, eu ia dizendo que os dinossauros estão em extinção. Não que eu seja velho. É que se conhece cultura lendo História. E a gente percebe em uma leitura atenta que a sociedade brasileira se torna cada dia mais acéfala. Um meio nihilista culturalmente como este de hoje não é campo propício para surgimento de novos pensadores. Morrem os mais velhos e fica nada. "Quem for inteligente, talentoso e original perca as chances de ser aceito", dizia F. Wolff. Por isso a opção pelo "ser esperto e se dar bem". E os dinossauros vão se extinguindo.

Da série Notícias do Brasil (sem os comentários da Globo. Aliás, com os nossos)

Lucro da Brasil Foods cresce 125% em 2010.
(A Folha de São Paulo, 25/03/2011)

A imprensa neste país desde o golpe militar de 64 tornou-se uma prostituta para o poder. Seja ele qual for, o poder que estiver de plantão, é ele mesmo que vai.

Por acaso este país infeliz teve 125% de melhoria em saúde, educação? Tirou-se 125% de crianças da pobreza, da fome, do crime?

Então qual o motivo da festa da notícia?

domingo, 20 de março de 2011

Passeio Socrático


"Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares; mostravam-se preocupados, ansiosos e, na lanchonete, comiam mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, muitos demonstravam um apetite voraz. Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade? O dos monges ou o dos executivos?

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”

A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional). Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!

Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…

A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma su­gestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”

Frei Betto

terça-feira, 15 de março de 2011

Sobre Karl Marx



Conversando com amigos de uma comunidade virtual chamada "Filosofia de Karl Marx" deparei-me com a seguinte pergunta: Por que o povo não lê Karl Marx?

Bem, primeiro precisei parar para pensar que povo é este. O nosso país é formado por uma sociedade multicultural. Classes culturais variadas. O miserável que vive preocupado com comida já não lê coisa alguma, alguns acham que é pela quebra do silêncio necessário à leitura, causada pelo ronco do estômago. Começa o desconforto ao analisar o que andam fazendo as classes acima desta. A classe média desse país imbecilizou-se, como dizia Fausto Wolff. A (sub)cultura da inutilidade tomou conta das mentes que só enxergam, hoje, porcarias midiáticas. As classes mais acima souberam como requintar as porcarias. As inutilidades (sub)culturais aqui são consumidas nos  ambientes mais "fashion", mas é a mesma inutilidade ocupando espaço mental. Desde a moradora da favela até a madame da zona sul do Rio de Janeiro, estão todos, desgraçadamente, preocupados com a nova aplicação de botox da Ana Maria Braga.

A conclusão que se chega é que a praga é geral. Alain Minc, do jornal Le monde, em sua obra "A nova idade média", editora Ática, elabora tese genial. Para este autor o mundo está em nova idade média. Ele pega a teoria de Giambattista Vico de que a história da humanidade passa por fases cíclicas, ou seja, apogeu, decadência, caos e reerguimento, e sentencia que vivemos em nova era em que se abandonou a razão para cultuar posturas vazias, nova era de trevas, novo caos. Se a humanidade na original idade média tinha o deus católico (lembra que queimaram Giordano Bruno na fogueira por dizer que a terra era redonda?) como  eixo central da postura não lúcida, na atual idade medieval tem-se o deus mercado/capital. É por ele que se sacrifica todos os valores, todos os ideiais (lembra que estão destruindo o meio-ambiente para que se tenha mais lucro e de forma mais rápida?). A trevosidade é a mesma. Só mudou de século. E com uma era renascentista no meio.
Bom, mas íamos dizendo que o povo não lê Marx. Filósofo, cientista político, economista, sociólogo. Certamente o mais completo pensador que já tivemos. Alguém que imaginou um homem livre da exploração que gera o lucro pelo lucro. Falamos depois, no mérito, da revelação de um capitalismo irracional e de um socialismo libertário para a humanidade pensado por Marx. Queríamos hoje apenas falar do distanciamento deste pensador (bom ou mau, que fosse) com a literatura consumida pelo povo brasileiro.

Demos a seguinte opinião:

"O povo não lê Marx porque sofreu historicamente profunda intervenção alienante.

Já não era boa coisa o brasileiro ser "o povo cordial" (cordial no sentido de coração - para Sérgio Buarque de Holanda o brasileiro é um homem que pensa com o coração) depois disso, esse mesmo povo foi totalmente alienado (EUA, Militares e Globo na parada) para servir melhor como massa de manobra, de exploração. De postura, passiva, não questionadora.

Além disso, fixou-se no inconsciente coletivo desse povo a idéia de um Marx macabro, anti-cristão, anti-família, anti-tudo-de-bom. Quando se fala em Marx para um brasileiro comum vê-se a cara de ojeriza de quem odeia algo que nem sabe do que se trata, mas que identifica inconscientemente um Marx com um fantasma a ser evitado, não a ser conhecido.

Até entre os que têm educação formal superior (principalmente nas áreas naturais - médicos, dentistas...) que têm hábito de leitura, a coisa é quase no mesmo pé - desconhecimento total de Marx - a mesma idéia de senso-comum das classes sociais mais afastadas da leitura. Vira tudo um bolo só quando de trata de Marx.

Agora veja, um povo que tem a mais medíocre classe dominante do mundo, Globo, uma ABL que tem Marco Maciel, José Sarney, Paulo Coelho... é para matar a filosofia e os grandes pensadores na literatura de um povo.

O povo não lê Marx porque houve e há uma grande armação nesse sentido pela classe dominante. Mais alienar para mais explorar.

E tome Harry Portter, BBB, Ronaldinho, silicone da fulana..."

domingo, 13 de março de 2011

A “classe-média” à beira de um ataque de nervos


     "A partir da década de 90, sob o poder hegemônico dos EUA (Consenso de Washington), o Brasil passa a ser palco de “experiências neoliberais”. Dentro de um contexto de “financeirização do capital”, com a vitória de Fernando Collor de Mello nas eleições de 1989, o Brasil passa a ser ainda mais um espaço propício para a disseminação dos interesses de mercado e o desmantelamento do público. A “era neoliberal” marca o desenvolvimento e a ampliação de acontecimentos desastrosos: fome, doenças, privatizações, violência e corrupção endêmicas, desemprego estrutural, refluxo dos sindicatos revolucionários, os professores abandonam teorias e esperanças revolucionárias, os teatros e cinemas são fechados ou entram para dentro dos shopping centers (o Teatro Oficina, importante grupo teatral paulistano luta para não ser transformado em mercado pelo Grupo Sílvio Santos). O “neoliberalismo” exige individualismo radical: tudo pago e uma enorme facilidade em acolher bancos, empresas e outros crimes do capital, agora globalizados.

      A marca das empresas? Ganhar dinheiro e, como as mudanças nunca são só na economia, conforme Giovanni Alves, após os “anos Collor” percebe-se ainda mais a vida ser constituída a partir de elementos intrínsecos do capital, é produzida historicamente uma “sociabilidade neoliberal”: relações humanas contaminadas por interesses privados. “Financeirização da vida”. O outro serve na medida em que eu vou ganhar. O que eu vou ganhar com isto? O que você vai ganhar? Numa sociabilidade fundada na propriedade privada, que exige subalternidade e frieza nos cálculos, estreita-se os espaços para valores como solidariedade, para a lógica “neoliberal” o que vale é o lucro, o resto o mercado resolve, o resto os burgueses “neoliberais”, ainda mais idiotas, calcula, pensa, pesa e elimina ou cria uma organização não-governamental para lucrar com a miséria da maioria da população do país.


     Segundo Robert Kurz em “Os últimos combates” (1997), muitos vínculos sociais são rompidos em todas as classes sociais, “tanto o efetivo processo econômico quanto a ideologia neoliberal tendem a dissolver as relações humanas na economia” (1998:145). Conforme Kurz, o economista norte-americano Gary S. Becker, Prêmio Nobel em 1992, desenvolveu a hipótese de que o comportamento humano, em épocas neoliberais, é orientado pela relação custo-benefício. Mas é claro que as sociedades vitimadas pelo pensamento “neoliberal” não foram efetivamente homogeneizadas, o levante de Chiapas, no México (1994), com o Exército Zapatista de Libertação Nacional é visto por muitos como uma resposta a esta ofensiva globalizada do capital. No Brasil tem-se ainda o MST, MTST, Movimento Quilombola etc."
Fábio Nunes Silva

 http://www.telacritica.org/ArtigoFabioTelaCriticarevista5.htm

domingo, 6 de março de 2011

Preferências e modismos de um Brasil patético de hoje

Renato Russo uma vez perguntou que país é este. Nossos cientistas sociais - que, aliás, são pensadores dos melhores do mundo, eu, por exemplo, me pergunto como essa sociedade fútil tem conseguido produzir gente do quilate de Emir Sader, Bernardo Sorj, Leandro Konder... - tem se debruçado sobre a esdrúxula missão de responder ao poeta, ao melhor artista que este país já teve. Alguém já disse, acertadamente, que o Brasil não é para amadores.

Agora a moda é Bruna Surfistinha. Tentei ler o livro, "O doce veneno do escorpião", não deu. Pensei que agregaria alguma coisa para minhas elucubrações sociais, afinal, as prostitutas são um segmento da nossa sociedade que explica muito sobre que caminhos estamos seguindo como sociedade tonta que somos. Mas, não deu. Não sei se a moça tentou explicar, ou se nem quis, porque uma menina segue esse caminho, quais fatores sociais levam alguém por optar por uma vida sempre trágica como essa. Embora já soubesse, queria ver a opinião dela.


Vou explicar antes de continuar. Para mim as prostitutas são aquele segmento social de meninas pobres que, vítimas de uma sociedade capitalista que diz que dinheiro é tudo, mergulham em uma vida infeliz para lutar pela sobrevivência, por um lugar ao sol. Não é questão de moralidade. Imoral, para mim, é o desalmado que quebra a previdência social, que tira a comida da merenda escolar das mesas de nossas crianças, que fazem conchavos diabólicos em Brasília para se darem bem à custa do sofrimento, do suor, das lágrimas, do sangue, da dignidade do povo brasileiro. Prostitutas são vítimas de um sistema genocida. Na Holanda pode-se fazer sexo na rua, mas ninguém mete a mão no dinheiro público. No Brasil vivemos uma ideologia católica medieval, pode-se quebrar o país, fazer o diabo, desde que as partes pudendas estejam cobertas. Bem isso é outra história, depois voltamos a ela.

Mas eu ia dizendo que essa escolha resulta em vidas trágicas. Passa o tempo, chega a idade, e aquela menina bonita e cheia de sonhos se descobre um ser humano usado, não um ser humano realizado. Vítima de uma sociedade corrupta, imoral e hipócrita, descobre que não viveu, passou pela vida. Só por isso a escolha é trágica.

Bom, mas voltando ao assunto, a Bruna Surfistinha não explica essa vida. O livro é oportunista, raso, leitura fácil... e o problema ainda não está aqui. O problema é o sucesso do filme, que raios de sucesso é esse? Será que tem muita gente que queria soltar as frangas no lugar dela? Se realiza vendo o filme? Freud foi por aí
Dizia o pai da psicanálise que o sexo liberado seria a vávula de escape das nossas frustações que moram nos nossos inconscientes. Pode ser isso. Aliás, é nisso que dá uma sociedade hipócrita em relação ao sexo, fica reprimindo e quando solta, sai da frente. Vai vendo aí... dizia uma colega, a Martinha.

Teses psicanalíticas a parte, chego agora onde queria. Se as aventuras da alcova alheia fazem tanto sucesso nesse país, se o hedonismo tomou conta dessa sociedade (afinal, fica todo mundo vendo BBB para flagar o momento de uma, digamos, saliência debaixo dos cobertores) fica difícil pararmos para pensar o que fazer com nossos heróis. Dorothy Stang, a freira norte-americana (eu sei... mas esse hífen só fica proibido a partir do ano que vem) lutava no norte desse país por pessoas miseráveis. Morreu covardemente porque lutava por um ideal nobre contra o interesse do poder local. Não é o ideal generalizado de nossa sociedade hedonista. E fico me perguntando se um filme dessa missionária faria tanto sucesso.

Nos anos de chumbo, um militar recebeu uma ordem de explodir o gasômetro da Avenida Brasil , no Rio de Janeiro. Os militares botariam a culpa nos comunistas e teriam álibi para endurecer a perseguição. O problema é que morreriam algo em torno de 100 mil pessoas inocentes. Esse militar recusou cumprir a ordem de seus superiores. Foi cassado pelo AI-5. Morreu de câncer nos anos 90. Pobre e esquecido. Mas sua coragem, de dizer não a uma carnificina engendrada pelo poder militar em plena ditadura, fica como exemplo para qualquer ser humano minimamente lúcido deste país. Pergunto, será que um filme sobre o Capitão Macaco, Capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, faria tanto sucesso? Aliás, alguém conhece o documentário sobre sua vida e esse acontecimento "O homem que disse não", do diretor francês Olivier Horn?

E Divaldo Pereira Franco que tirou milhares de crianças miseráveis das ruas de Salvador, dando-lhes um abrigo e uma profissão, alguém conhece?

É questão de opção social coletiva. Não tenho nada contra "Brunas Surfistinhas" - essa gente é vítima, não algoz - mas fico com um frio na espinha ao perceber o que a nossa sociedade tem elegido como ícones para si, o que sempre está no vazio, no fragmentado, na superfície...

Bruna Surfistinha, BBB, novelas, Ronaldinho... e fico me perguntando quando nossa sociedade irá parar para fazer o que deve: discutir a educação nesse país, a reforma agrária... os rumos que quer para si. Mentiram para o povo brasileiro e ele acreditou. Disseram-lhe que a desigualdade sócio-econômica é natural, é dada por Deus, que o pobre deve trabalhar para ser digno, mas deve se conformar em ser pobre, que é assim mesmo. Quebraram o espírito de um povo que bate palmas para o que é escolhido, não por ele, mas por manipuladores de uma alienação que lucram, e muito, com a exploração.

Que tem algo de muito errado nisso tudo aí, tem.